– Neste editorial, o site Cultura&Realidade reflete razões e objetivos da megaoperação nos morros cariocas, que resultou, tão somente, na morte de mais de uma centena de pessoas e a sensação de combate ao crime –
DA REDAÇÃO I EDITORIAL – Por João Gonçalves
No primeiro momento, para quem está à distância do local onde vivem milhares de famílias trabalhadoras, sufocadas pelo dia a dia das ações criminosas, a decisão da matança de pessoas, autorizadas pelo governador do Rio de Janeiro Cláudio Castro, por meio da megaoperação deflagrada nas comunidades do Alemão e da Penha, nos morros cariocas, que resultou em mais de 120 mortos, foi desnecessária e desumana.
Estas mesmas pessoas tendem a mudar de opinião, quando escutam uma mãe de família submetida à tortura física e psicológica das facções criminosas, ao exporem o sofrimento diário com o modus operandi dos recrutados pelas organizações criminosas e que se sentem aliviadas com a sensação de resolução, com as mortes dos operadores dos crimes.
As imagens dantescas de corpos humanos enfileirados no meio da rua, espetacularmente como objeto de celebração de muitos, especialmente nas redes sociais, expõem o avançado estágio de insanidade de uma sociedade doente, especialmente por acreditar que os mandantes, com o ato, desejam combater a violência patrocinada pelo crime organizado. Definitivamente, não foi este o objetivo. Apenas colocaram, mais uma vez, o “bode na sala”.
A ação já ocorreu em diferentes momentos históricos dos cariocas e nunca resolveu o problema. O formato dado causa impacto na opinião pública, celebração para uns, comoção em outros e avaliações das mais variadas formas e direções, cada qual com enfoque ideológico determinado pela politização comum. Mas ações como estas nunca resultaram em solução e agora não será diferente.
Os verdadeiros chefes das estruturas criminosas não habitam nas favelas. Estão em condomínios de luxo. Muitos, dentro da própria estrutura governamental (inclusive policial), judiciária e parlamentar. Diversos estudos e documentários já expuderam esta estrutura, que facilita o fluxo do tráfico de drogas e de pessoas, lavagem de dinheiro, corrupção, milícias, contrabando e crimes cibernéticos.
A megaoperação, como muito noticiado, não se deu nas mansões, nos bairros nobres, mas no seio das famílias pobres, excluídas do processo civilizatório, consideradas escórias da sociedade, onde são presas fáceis dos criminosos residentes nos palácios, que recrutam jovens para a operação de todas as formas de ações de interesse do tráfico, milícias, prostituição juvenil e crimes virtuais.
A sensação de alívio dada pela megaoperação às famílias de trabalhadores residentes naquelas comunidades, é efêmera. Elas continuam sobre a pressão do medo. O cotidiano secularmente estruturado, não se altera com atitudes de um dia. O estado do Rio de Janeiro não ofertou nem vai ofertar paz, tranquilidade e bem-estar social naquelas localidades, com a chacina oficial executada.
Os negócios nas mesmas bases sociais continuarão o seu fluxo normal, com novos atores se reposicionando, pois os donos do poder paralelo, sabem recrutar e já dispõem de um “exército reserva”.
Mas o governador Castro e seus aliados internos e externos ao estado do Rio de Janeiro, ao menos temporariamente, estão surfando com a matança feita, pois, com ela, alcançaram os seus reais objetivos: dar a sensação de combate às facções criminosas e, com isso, colher dividendos políticos eleitorais, matando recrutados do crime. Nada mais que isso.
A ação, pelas suas características e momento, foi decidida por dois fatos desfavoráveis à agenda política das correntes de direita e de certo, parte dos seus aliados que comandam as organizações criminosas.
O primeiro foram as ações da Receita Federal contra o PCC – Primeiro Comando da Capital e o próprio CV – Comando Vermelho, realizada uma semana antes da matança, em diferentes estados brasileiros, principalmente em São Paulo, que resultou em enormes prejuízos à estrutura financeira e empresarial dos efetivos donos das facções criminosas, aqueles que não habitam nas favelas, que não são alcançados pelas mortíferas megaoperações. Estas ações, de certo, chegarão, se continuarem, aos mandatários das estruturas criminosas, que recrutam os filhos da pobreza para as ações operacionais em campo. Para retardar isso, foi necessário a chacina oficial, que desviou e roubou, a atenção da ação federal, cuja estratégia de combate ao crime, mira os ordenadores das ações cotidianas, sem necessariamente pôr em risco a vida de trabalhadores e trabalhadoras.
E o segundo é estritamente político eleitoral. As correntes de direita precisavam encontrar uma narrativa com força suficiente para impedir o crescimento da avaliação positiva do governo petista e a sua igual conversão em tendência eleitoral, resultantes da agenda desastrosa dos principais artífices públicos da direita, a família Bolsonaro, que ao requerer apoio para medidas retaliatórias contra o Estado brasileiro, deu a Lula uma fabulosa indústria de narrativas afirmativas e positivas.
Ao menos as notícias, sobre esta crescente positiva do governo federal, saíram da pauta do dia, substituída pela estúpida agenda castrista da falida instituição governamental carioca, efeito da presença do “bode na sala”.
Aliás, “bode na sala”, de modo bem simplista, é uma fábula bastante popular, que explica atos executados para piorar um contexto muito ruim, ofertando, ao seu fim, uma sensação de melhora, sobre situações críticas não resolvidas.
Castro nada mais fez, que expor o “bode na sala”, matando mais de 120 recrutados dos chefes da criminalidade, alguns deles, muito provavelmente, brindando o feito com ele nos gabinetes palacianos.

(*) João Gonçalves é Pedagogo e Especialista em Gestão Pública e Sustentabilidade, que desenvolveu estudos sobre o perfil da comunidade carcerária de Irecê e suas similaridades na América Latina (2010).





