– O texto é de Milly Lacombe, publicado em novembro do ano passado. Se naquele momento, seu conteúdo já externava um forte significado, depois da posse do novo presidente, o ‘marido de Janja’, agora ganha maior relevância para as pautas de costumes de muita gente. Vale a leitura. –
ARTIGO I Por Milly Lacombe*
Janja nem assumiu seu lugar no novo governo e já existe quem não a suporte. O comentário machista, misógino e pervertido de um desejo macabro de submissão da mulher feito por Eliane Cantanhêde na GloboNews apenas deu voz ao que muitos pensam: o que faz Janja achar que ela pode ser protagonista de qualquer coisa? Recolha-se ao seu lugar de esposa e limite-se a ser bela, recatada e do lar.
Janja não vai fazer isso, o que deixará muita gente incomodada e falando absurdos misóginos fantasiados de razoabilidade e de imparcialidade a respeito de seu comportamento. Janja vai ser uma primeira-dama como nenhuma outra, com tudo o que seu papel trará de novo, de revolucionário, de perturbador. Hoje pela manhã, acordei invocada com as frases ditas por Cantanhêde na TV sobre Janja. Na mesa do café da manhã, minha mulher me ouviu falar pacientemente e sem interromper.
Quando eu finalmente terminei de desabafar ela disse apenas: Janja incomoda porque é uma mulher livre. Pronto. Em segundos minha mulher, a antropóloga Paola Lins de Oliveira, tinha feito o que faz de costume: pega uma bola quadrada que voa sem rumo, deixa ela redonda e coloca no chão. Se você quiser parar de ler o texto aqui não tem problema porque era isso que eu queria dizer. Janja incomoda porque é uma mulher livre. Mas, se está com tempo, seguimos com a brilhante cabeça de Paola Lins de Oliveira: Janja não cabe em caixa nenhuma. Transante. Inteligente. Profissional. Sem filhos. Indomesticada. Insubmissa. Apaixonada pelo homem que está ao seu lado.
As pessoas, desacostumadas com uma primeira-dama como ela, não sabem acomodar Janja no lugar do que é ser mulher nos dias de hoje. Dona Ruth Cardoso foi uma primeira-dama com potencial para subverter a ordem, mas era uma mulher de seu tempo e fez o papel que estava sendo dado sem tentar protagonizar nada. Dona Ruth era uma mulher autônoma de personalidade introspectiva. Janja é uma mulher autônoma de personalidade extrovertida. Janja é militante, ativista, socióloga – veio para subverter a ordem. Até o fato de ela amar Lula tão explicitamente incomoda porque não se trata de um amor submisso, silencioso, passivo. “Gente com libido e transante incomoda, sobretudo uma mulher”, disse Paola entre goles de café. Esse transbordamento de liberdade que Janja exala é perturbador. E, para piorar os alicerces da família tradicional brasileira, ela é bonita e gostosa. Janja vai incomodar aliados, vai incomodar amigos, vai incomodar inimigos, vai incomodar a imprensa, vai incomodar geral.
Dona Marisa foi ridicularizada por acharem que ela fazia pouco; Janja vai ser por acharem que está fazendo demais. A expansiva incomoda, a introvertida incomoda, a calada incomoda, a falante incomoda. Não há lugar vazio de críticas quando se é mulher, especialmente se Lula for o marido. Janja vai causar e, mesmo sem querer, tirar a máscara de muita gente. Ao final, se posso arriscar um palpite, Lula será colocado em algumas situações como “o marido de Janja”.
E, se for assim, teremos ganhado todas.
