A estudante de Psicologia Camilly França analisa a violência de gênero no Brasil e revela que o feminicídio é um problema estrutural, marcado por falhas na proteção às mulheres. A pesquisa reforça que essa violência é sustentada por desigualdades históricas e sociais.
Da Redação | Cultura&Realidade e Camilly Franca
A sucessão de casos recentes de feminicídio e tentativas de assassinato reacendeu o alerta sobre a violência de gênero no país. Crimes cometidos por parceiros ou ex-companheiros, muitos deles registrados por câmeras de segurança ou ocorridos em espaços públicos, voltaram a chocar a sociedade e a dominar o noticiário nacional. Embora alguns episódios ganhem grande repercussão, especialistas alertam que esses casos representam apenas a face mais visível de um problema contínuo, estrutural e historicamente naturalizado.
É nesse cenário que se insere o estudo desenvolvido por Camilly Franca, concluinte do curso de Psicologia da FAI, que investiga como a violência contra mulheres permanece organizada e sustentada no Brasil. A pesquisa analisa dados recentes de feminicídio, o perfil das vítimas, a subnotificação das agressões e os impactos psicológicos de longo prazo, evidenciando que, mesmo com avanços legislativos, a proteção às mulheres segue falhando.
Segundo dados do Ministério da Justiça, 1.450 mulheres foram assassinadas por razões de gênero em 2024, um aumento de 12% em relação ao ano anterior. A média é de uma mulher morta a cada 17 horas. Para Camilly, os números desmontam a ideia de crimes isolados. “O feminicídio não é exceção nem impulso momentâneo. Ele segue uma lógica própria, sustentada por desigualdades profundas de gênero, raça e classe”, afirma.
O estudo revela que o perfil das vítimas permanece constante: mulheres negras, jovens, entre 20 e 39 anos, assassinadas dentro de casa, majoritariamente por parceiros ou ex-companheiros. Para a pesquisadora, esse padrão evidencia que a violência não atinge todas de forma igual. “No Brasil, morrer por ser mulher tem cor, tem idade e tem contexto. Essas mortes recaem sobre quem historicamente tem menos acesso à proteção e à justiça”, pontua.
Outro aspecto central da pesquisa é a subnotificação. Medo, dependência financeira, vergonha, violência psicológica e descrédito institucional fazem com que grande parte das agressões não seja denunciada. Dados do DataSenado indicam que a maioria das violências é presenciada por terceiros, inclusive crianças, mas uma parcela significativa das testemunhas não intervém. “O silêncio social funciona como uma engrenagem da violência. Quando ninguém age, o agressor se sente autorizado a continuar”, alerta Camilly.
A forma como a violência de gênero é noticiada também é alvo de crítica no estudo. Casos de extrema brutalidade ganham destaque, enquanto a violência cotidiana — marcada por controle, humilhações, ameaças e isolamento — permanece invisível. “O feminicídio não começa no dia da morte. Ele é precedido por um longo continuum de violências normalizadas, que raramente viram pauta”, explica a pesquisadora.
No campo da saúde mental, o trabalho evidencia danos persistentes entre mulheres que sobreviveram à violência. Transtorno de estresse pós-traumático, depressão, ansiedade crônica e ideação suicida aparecem com maior frequência, mesmo após o rompimento do vínculo com o agressor. “A violência não termina quando o agressor é afastado. Muitas mulheres passam a viver em estado permanente de alerta, com medo constante e dificuldade de confiar”, afirma Camilly.
A pesquisa também aponta falhas graves nas políticas públicas de proteção, como a escassez de delegacias especializadas, a lentidão na concessão de medidas protetivas, a falta de abrigos e o racismo institucional. Relatórios mostram que muitas mulheres assassinadas já haviam buscado ajuda anteriormente. “Na maioria dos casos, a falha do Estado antecede o crime”, destaca.
Para romper esse ciclo, o estudo defende uma estratégia integrada que vá além da punição penal, com educação de gênero desde a infância, fortalecimento da rede de acolhimento, atendimento psicológico contínuo e responsabilização efetiva dos agressores. “Enquanto não enfrentarmos as estruturas que sustentam o machismo e o racismo, continuaremos apenas reagindo às mortes. A violência contra mulheres não é um desvio do sistema — ela é produzida por ele”, conclui Camilly.






