– Ao completar 95 anos, espera-se que Irecê tenha deixado para trás um debate que vinha corroendo a agenda de várias pessoas desde 1997, quando foi alterada a data de comemoração do aniversário da cidade. Entenda o tema… –
DA REDAÇÃO I Cultura&Realidade, Por João Gonçalves
Em 31 de maio de 2020, Irecê comemorou seu aniversário, então, 87 anos de existência como município autônomo, política e administrativamente, conforme decisão do poder executivo local, por decreto publicado em 1987. Nesta segunda-feira, 2 de agosto, hoje, a cidade celebra 95 anos. Ops! Mas como assim? De certo, a pergunta mais comum que pode ocorrer, entre as pessoas que não conhecem a história do município.
Mas o cineasta documentarista Kel Dourado se encarregou de responder de forma descomplicada e objetiva. Em agosto do ano passado, por meio de um documentário dirigido e estrelado pelo próprio, com narração de Mariana Dourado e edição de Sócrates Júnior, por ocasião, no caso, dos 94 anos de emancipação da cidade, Kel não demorou nem seis minutos para eliminar qualquer dúvida que o tema pudesse apresentar, depois de 23 anos de intensos e por vezes, acalorados debates.
A obra trás em sua narrativa, documentos e uma síntese sobre esta “treta” que envolve o aniversário de Irecê. Até 1986, a data reconhecida oficialmente era 2 de agosto de 1926, como marco histórico da emancipação política e administrativa do município de Irecê, até então, conhecida como Vila Carahybas, pertencente ao município de Morro do Chapéu. Portanto, era no dia 2 de agosto, que a cidade celebrava o seu aniversário.
Em 1997, o então prefeito de Irecê, Beto Lelis, resolveu alterar a data para 31 de maio, tendo como fundamento a restauração da sua autonomia. Embora, de fato, emancipada em 2 de agosto de 1926, a cidade de Irecê teve suspensa a sua emancipação em 1931, o que fora restabelecida em 31 de maio de 1933.
De 1997 até o ano passado, foram quase 24 anos de “tretas” sobre o assunto, envolvendo vários atores sociais, principalmente Jackson Rubem, Lauro Adolfo da Silva Dourado, Kel Dourado e o Professor Edvaldo Santos Lopes (in memoriam). Em 2020, a Câmara de Vereadores, a partir de proposição do então vereador Leo da Unibel, restabeleceu o 2 de agosto como dia a ser celebrado o marco histórico de autonomia política e administrativa ireceense.
ENTENDA O CASO
No documentário intitulado “Afinal quantos tem Irecê?” Kel Dourado oferece farta argumentação e fundamentações que esclarecem os fatos que circundam esta história. O produtor foi ao ano de 1893 para puxar o início do novelo deste recorte da história local, onde se verifica que os anos que antecederam a emancipação de Irecê, foram marcados por muitas rixas políticas, a ponto de se ter ameaças de batalhas armadas.
A Vila Carahybas deste aquele ano, já se apresentava como importante influência no cenário político. Apoiado pelo Coronel Dias Coelho, Herculando Dourado, residente em Carahybas à época, era o intendente (prefeito) do município, que tinha a sede em Morro do Chapéu.
Mas, como diz Kel Dourado, foi a partir de 1920 que as disputas políticas entre lideranças residentes em Morro do Chapéu e as que habitavam em Carahybas, “começaram a esquentar”. A eleição ocorrida naquele ano resultou em derrota de Teotônio Marques Dourado (de Carahybas) para o Major Virgínio Alves (de Morro do Chapéu) que governou até o final do seu mandato.
Em 1923, o grupo de Carahybas sofre nova derrota. Faustiniano Lopes Ribeiro não venceu José Martins Araújo, o candidato da sede. Mas Teotônio Marques Dourado foi eleito presidente do Conselho Municipal e em articulação com forças políticas do Estado, conseguiu anular as eleições, dando posse, em 1924, a Faustiniano, que foi reeleito em 1925. A reeleição foi questionada pelas lideranças da sede, estabelecendo-se um impasse que foi parar no gabinete do governador Góis Calmon, que para resolver os embates, propôs a emancipação de Carahybas, o que foi aceito pelos envolvidos.
A proposta foi encaminhada ao parlamento estadual, que aprovou a criação do novo município em 2 de agosto de 1926. Em comum acordo entre as lideranças da época, a Vila de Carahybas passou a se chamar Distrito de Irecê, hoje cidade de Irecê, nome sugerido pelo tupinólogo Teodoro Sampaio, a pedido do seu amigo Coronel Terêncio Dourado, em substituição a Carahybas. Irecê significa “pela água, à tona d’água, à mercê da corrente”.
Com autonomia executiva e legislativa, o novo município escolheu e deu posse ao seu primeiro intendente, Arestides Moitinho. Em 1927, elegeu seu segundo gestor municipal, Teotônio Marques Dourado Filho (Tiozinho). Seu mandato se encerraria em 1929, mas, por conta da reforma eleitoral da época, seu mandato se estendeu até 1931. Porém, a “Revolução de 30” ou “Golpe de Estado” conforme a preferência dos ideólogos, marcando o primeiro ciclo da era Vargas, os poderes executivos passaram a ser dirigidos por interventores indicados pessoalmente por Getúlio Vargas. A Bahia teve o seu interventor no final de 1931, Artur Neiva, que achou de suspender a emancipação de 30 municípios baianos, dentre eles, Irecê.
Artur ficou na função por apenas seis meses. Em 31 de maio de 1933, o novo interventor getulista, Juracy Magalhães, em decreto estadual, devolveu aos ireceenses a sua autonomia política e administrativa, que foi retomada sob o comando do intendente Faustiniano Ribeiro.
O documentário traz mais detalhes desta fascinante história, Veja aqui, o vídeo produzido ainda no ano passado.
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KEL DOURADO é Cineasta, filmaker, apaixonado pela história local. Diretor em projetos de audiovisual como “Quase Assalto”, documentário que fala sobre a invasão dos cangaceiros do sertão em Irecê. “Toin de Zilda”, obra de ficção baseada em fatos ocorridos na década de 80, em Irecê. Atualmente ele executa o projeto aprovado pela Lei Aldir Blank, denominado “Zuza Mó”, filme de época, que fala sobre passagens de 1906, sobre um amor proibido entre Zuza Mó e Ana Joaquina Dourado.
FICHA TÉCNICA
Direção, produção e apresentação: Kel Dourado
Edição e design: Socrinha/Sócrates Júnior
Narração: Mariana Carvalho