
Por Arlicélio Paiva*
O perigo de viver em um planeta cada vez mais populoso, com predomínio de impessoalidade e com consumo insaciável, faz lembrar-se de uma frase utilizada para se referir ao estado de uma pessoa idosa, mais próxima do ocaso da vida – “De meio-dia para tarde”.
Em 1968, o ecologista Garrett James Hardin (1915 – 2003) publicou o artigo “A tragédia dos comuns” na revista Science, defendendo a ideia de que pessoas agindo de forma individual, pensando apenas nos seus próprios interesses, podem esgotar recursos naturais que pertencem a toda uma comunidade, como ocorreu, por exemplo, no Oeste do Estado da Bahia, onde empresários utilizaram mananciais de maneira predatória para irrigar suas terras e causaram prejuízos a comunidades tradicionais que necessitam da água para sua sobrevivência.
O artigo de Hardin também se refere à tragédia de indivíduos simples que usam bens comuns. O autor cita o exemplo de um agricultor que comprou uma vaquinha para obter leite para a família. O seu vizinho aprova a ideia e também compra uma vaquinha. Com o passar do tempo os agricultores já estão com um rebanho acima da capacidade de suporte das suas pastagens e o resultado é a degradação das terras. Esse caso é muito frequente em zonas agrícolas e em atividades de exploração de recursos naturais, na maioria dos países.
A questão que envolve o colapso socioambiental foi discutida amplamente pelo escritor Jared Diamond em seu livro intitulado “Colapso – como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso”. O autor atribui o colapso de algumas civilizações da antiguidade, à imprudência humana no uso dos recursos naturais e cita como exemplo o que ocorreu na Ilha de Páscoa, em Ilhas da Polinésia, na América do Norte com os Anasazis, em Yucatán no México com os Maias e com os Vikings da Groenlândia. Todas essas civilizações antigas desapareceram porque não souberam utilizar de forma racional os recursos naturais disponíveis.
O rompimento da harmonia que existe naturalmente no planeta, composto por florestas, rios e gases na atmosfera, que regulam o regime de chuvas, a temperatura e a qualidade do ar, implicará na diminuição da qualidade de vida no planeta, podendo chegar a um novo colapso de determinadas civilizações.
O Relatório Anual do Desmatamento no Brasil (2020), publicado pela Rede Colaborativa MAPBIOMAS, revela que os Biomas Cerrado, Caatinga, e Mata Atlântica tiveram redução de suas áreas por desmatamento de 432.183 ha, 61.373 ha e 23.873 ha, respectivamente. Dos 50 municípios brasileiros que mais desmataram em 2020, quatro deles são baianos – Formosa do Rio Preto, São Desidério, Luís Eduardo Magalhães e Jaborandi – todos localizados no Bioma Cerrado, e desmataram 41.852 ha conjuntamente. O município que desmatou a maior área de Caatinga também é baiano, Xique-Xique, com 1.051 ha. Foram desmatados 108.315 ha de áreas nativas em 2020, na Bahia, somadas as áreas de todos os Biomas. Como se pode perceber, o colapso bate à nossa porta.
As organizações Global Footprint Network (GFN) e World Wide Fund For Nature (WWF) utilizam dados da ONU para calcular a data anual em que a população consome todos os recursos naturais que o planeta é capaz de renovar ao longo de um ano. Elas denominaram essa data de “O dia da sobrecarga da Terra”. Cada ano que passa, os recursos regeneráveis que deveriam ser consumidos de 1o de janeiro a 31 de dezembro estão se esgotando mais cedo. Em 2021, essa data foi atingida em 29 de julho, três semanas mais cedo do que no ano anterior. Pelos cálculos dessas organizações, seriam necessárias quase duas Terras para atender às necessidades de consumo da população.
O crescimento populacional e a ambição para a concentração de riquezas levaram a um modelo predatório de produção, com supressão exagerada das vegetações nativas, uso dos recursos hídricos acima da capacidade de recarga dos mananciais e emissão excessiva de gases do efeito estufa, que têm contribuído para o desequilíbrio ambiental do planeta. Assim, o risco do colapso social e ambiental permanece crescente. A continuar nesse ritmo de consumo, estima-se que em 2050 serão necessários três planetas para suprir as crescentes necessidades da população. A se confirmar tal situação, o planeta estará “De meio-dia para tarde”.
