– Enquanto o Brasil teme a redução da carga horária da mão de obra, patinando em debates de diversas propostas no parlamento, a Islândia expõe resultados positivos, para a qualidade de vida dos seus empregados e melhorias nos meios produção, com 90% de aceitação –
DA REDAÇÃO I Cultura&Realidade
De modo geral, os donos dos meios de produção resistem a refletir a redução da jornada de trabalho. No Brasil, o tema tem sido debatido em alguns setores, ganhando visibilidade pelas postagens em redes sociais de organizações não governamentais, partidos e militantes que defendem a redução da carga horária para 36h semanais. Atualmente a jornada é de 44.
O tema está em discussão no Congresso Nacional, com várias propostas que visam atender este chamamento. Uma delas, a que mais tem sido motivo de discussões no legislativo federal no momento, é a PEC 221/19, prevendo uma redução gradual, com a jornada de trabalho chegando a 36 horas em dez anos. Uma das propostas, de autoria do senador Paulo Paim, estabelece a redução imediata da jornada semanal para 40 horas, com uma redução de uma hora por ano até atingir as 36 horas.
Prós X Contras
Para os que se opõem, a redução da jornada de trabalho gera impactos econômicos negativos, com alguns argumentando que ela pode gerar aumento de custos para as empresas.
Já os defensores compreendem que a redução da jornada promove qualidade de vida, favorecendo a saúde física e mental dos trabalhadores, otimizando a produção, o que implica positivamente na produtividade, potencializando negócios e abrindo caminhos para a geração de novos postos de trabalho.

Experiências Internacionais
A discussão sobre a redução da jornada de trabalho também envolve a análise de experiências bem-sucedidas em outros países, como Islândia, Chile, Colômbia e Bélgica.
Na Islândia, por exemplo, os primeiros passos ocorreram em 2015, quando foi iniciada uma ampla experiência que envolveu cerca de 2.500 trabalhadores convidados a testar uma semana de quatro dias. Diante dos retornos positivos e dos dados encorajadores, o movimento ganhou força e, por volta de 2019, a redução da jornada de trabalho se formalizou e se expandiu.
Hoje, embora não se trate de uma lei universal e definitiva, uma esmagadora maioria — cerca de 90% — da população ativa islandesa trabalha menos, geralmente entre 35 e 36 horas por semana.
Essa transformação profunda não aconteceu por meio de um decreto governamental único, mas graças à negociação coletiva e à força dos acordos sindicais. Esses acordos permitiram estabelecer uma flexibilidade considerável: os trabalhadores podem reduzir suas horas semanais ou optar por concentrar sua jornada em menos dias. Esse pragmatismo foi a chave para uma adoção massiva e bem-sucedida.
Os temores iniciais, semelhantes aos observados em debates parecidos em outros países, como a Alemanha, estavam centrados principalmente em um possível colapso da produtividade ou na dificuldade de compensação salarial. No entanto, a experiência islandesa dissipou essas preocupações. Relatórios, especialmente os analisados por grupos de pesquisa como o Autonomy, indicam que a produtividade não apenas se manteve, mas também, em alguns casos, até melhorou.
Como explicar esse fenômeno? A resposta está, em grande parte, na melhoria significativa do bem-estar dos trabalhadores. A redução da jornada resultou em uma queda notável nos níveis de estresse e na diminuição dos casos de esgotamento profissional (burnout). Os funcionários relatam uma capacidade muito maior de conciliar suas responsabilidades profissionais com a vida pessoal. Essa realidade reflete diretamente as prioridades da Geração Z, cuja grande maioria (cerca de 81%, segundo alguns estudos) acredita que uma jornada reduzida é sinônimo de maior eficiência e enxerga a saúde mental como um critério essencial.
As chaves do sucesso islandês
Vários fatores explicam por que o modelo islandês funcionou tão bem, enquanto outras iniciativas ainda enfrentam dificuldades. Em primeiro lugar — e este é um ponto crucial —, a transição foi feita sem perda salarial nem redução dos benefícios sociais para os trabalhadores. Isso representa uma diferença significativa em relação a modelos como o da Bélgica, onde a semana de quatro dias geralmente precisa ser compensada com jornadas mais longas.
Em segundo lugar, a Islândia investiu massivamente na digitalização de suas empresas e dos serviços públicos. O país conta com uma das infraestruturas de internet mais avançadas do mundo, com conexões rápidas e confiáveis, inclusive nas áreas rurais. Esse ambiente tecnológico facilitou enormemente a manutenção da produtividade, principalmente ao impulsionar o trabalho remoto e a otimização dos processos.
Por fim, essa transição gerou efeitos colaterais positivos para a sociedade. Observa-se, por exemplo, um avanço na promoção da igualdade de gênero, já que os homens, dispondo de mais tempo livre, passaram a se envolver mais nas tarefas domésticas e familiares.
A experiência islandesa, com seus cinco anos de resultados concretos, oferece uma perspectiva fascinante sobre o futuro do trabalho. Ela demonstra que a redução da jornada, longe de ser uma utopia, pode ser uma estratégia vencedora para a produtividade, para o bem-estar dos trabalhadores e até para a promoção da igualdade social.
Ao preparar o terreno com um sistema educacional já altamente digitalizado, a Islândia garante uma adaptação mais fluida para as futuras gerações de profissionais. Esse verdadeiro laboratório social a céu aberto confirma, na prática, que as intuições e demandas da Geração Z por um equilíbrio mais saudável entre vida pessoal e profissional, e por uma redefinição do conceito de desempenho, não são meros caprichos, mas talvez os alicerces de um modelo de trabalho mais sustentável e humano.
Parte deste texto foi traduzido/adaptado do site JV Tech e inicialmente publicado por xataka.com.br.