– Em manifestação pública, lideranças populares de diferentes tendências do Território de Irecê foram unânimes em condenar o procedimento administrativo do Inema e criticaram o governador Jerônimo Rodrigues (PT) e os deputados estaduais Ricardo Rodrigues e Cafu Barreto, ambos do PSD, que ainda não se pronunciaram sobre o tema –
DA REDAÇÃO I Cultura&Realidade
A primeira semana de janeiro deste ano, foi marcada pelo primeiro ato de protesto público no Brasil, ocorrido no município de Uibaí, onde, no último dia 6, quase uma centena de instituições dos movimentos sociais do Território de Irecê, se reuniram presencialmente para ratificar, de modo inconteste, as denúncias que tramitam na Justiça e nas redes sociais, contra licenciamento do Inema – Instituto Estadual de Recursos Hídricos e Meio Ambiente, que autoriza a multinacional norueguesa Statkraft, a cometer “crime ambiental na Bahia”, segundo consta em denúncia feita pelo Ministério Público do Estado.
De acordo com os manifestantes, a gestão liderada pelo governador Jerônimo Rodrigues, patrocina ilegalmente, com a licença dada, um desmatamento de área superior a 1.574 hectares de Caatinga árborea, nos cumes das serras de Uibaí e Ibipeba, região importante das microbacias de recargas dos rios Verde e Jacaré, afluentes do Rio São Francisco, responsável pelo abastecimento hídrico de centenas de comunidades da maioria dos municípios do Território de Irecê.
A licença concedida pelo órgão órgão estadual de proteção ambiental, de acordo com as denúncias apresentadas, está eivada de erros técnicos e legais. “O Inema não respeitou diversos dispositivos legais, como a realização de consultas populares, por meio de audiências públicas, está estimulando a degradação do modo de vida de várias comunidades e afetando gravemente os recursos naturais”, pontua Edimário Machado, dirigente da UMBU – União Municipal Beneficente de Uibaí.
Por outro lado, segundo ele, “o modelo de desenvolvimento proposto pela empresa, acolhida pelo Inema é falso. As perspectivas feitas na sua campanha publicitária são precárias e insustentáveis em médio prazo. Defendemos as tecnologias de energias renováveis, com métodos de promoção de desenvolvimento sustentável das comunidades envolvidas, para a atual e futuras gerações das famílias atingidas. O que está em prática pela empresa é um desenvolvimento predador, longe de ser algo efetivo e contributivo para a real melhoria da qualidade de vida das pessoas”.
Para a ativista Bete Wagner, conforme disse durante o ato, a empresa facilitada pelo Inema “beneficia a três bilionários noruegueses, que estão explorando os recursos naturais, ganhando verdadeiras fortunas, com pouquíssimo retorno social, econômico, ambiental e quase nula mão de obra local, deixando como resultado, impactos socioambientais incalculáveis. Já fui gestora do órgão ambiental, conheço os seus mecanismos e jamais assinaria uma licença no formato que foi feito”, disse.
Várias lideranças de diferentes movimentos sociais do Território de Irecê, fizeram uso da fala, condenando o desmatamento e proferindo severas críticas ao Inema, ao governador Jerônimo Rodrigues e à ausência dos deputados estaduais Ricardo Rodrigues e Cafu Barreto, que mesmo sabendo da gravidade do assunto, ainda não se manifestaram.
O evento foi encerrado pelo pronunciamento do deputado Marcelino Galo (PT), que foi enérgico no seu posicionamento contrário à licença concedida pelo Inema. “Esta licença jamais deveria ter sido concedida nos moldes dados. A Caatinga precisa ser protegida e o modelo de desenvolvimento deve pautar a sustentabilidade, levar em conta as famílias do entorno, seus respectivos modos de vida, as comunidades em si. Se há de ocorrer mudanças, que estas sejam para promover dignidade, qualidade de vida humana e saúde ambiental”, concluiu.
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REPERCUSSÃO INTERNACIONAL
Com o título “Nuvens escuras sobre o investimento solar da Statkraft no Brasil”, instituições da Noruega fizeram repercutir naquele País, o movimento ocorrido em Uibaí. Leia matéria completa, traduzida e transcrita abaixo:
“Fora Statkraft!”, “Salvem a caatinga, é urgente!”, “Respeitem nosso modo de vida!”. Esses foram alguns dos slogans ouvidos durante a manifestação de ontem contra o amplo projeto de energia da Statkraft no estado da Bahia, no nordeste do Brasil. Os manifestantes classificaram o projeto como um desastre ambiental e exigem melhores estudos ambientais, novas consultas e que a usina solar seja construída em áreas já desmatadas.
Na manhã de segunda-feira, o conflito com a empresa estatal norueguesa Statkraft se intensificou, quando 50 organizações bloquearam a estrada de acesso ao canteiro de obras da usina solar em construção no município de Uibaí. A manifestação foi organizada pela coalizão Grito da Caatinga, que une pequenos agricultores locais, organizações ambientais, sindicatos e outros movimentos sociais na luta pela preservação da vegetação ameaçada e pelos meios de subsistência tradicionais que dependem dessa área.
O protesto desta semana é uma continuidade de uma longa luta contra a usina solar. Em novembro de 2024, o Ministério Público do estado da Bahia processou a Statkraft por uma série de supostas violações de leis ambientais e de direitos humanos relacionadas à construção do Complexo Solar Santa Eugênia. O MP obteve uma decisão favorável em primeira instância, que determinou a suspensão temporária das obras. Segundo o tribunal, o processo de construção foi realizado sem estudos ambientais adequados e sem consultas às comunidades locais afetadas. No entanto, recentemente, a decisão de suspensão foi revertida por uma instância superior.
Contexto da região e sua população:
A usina solar da Statkraft está sendo construída na região do sertão, no interior do estado da Bahia, uma área de clima extremamente seco. A região é composta principalmente pelo bioma caatinga, que está em risco de extinção e já é severamente impactado pelas mudanças climáticas.
A caatinga é um bioma único no Brasil, cobrindo cerca de 10% do território nacional. Seus ecossistemas já estão ameaçados pelo desmatamento e pelas mudanças climáticas. A Statkraft está atualmente construindo a usina solar em um planalto que abriga uma das reservas mais importantes da caatinga no município. O desmatamento representa um enorme impacto tanto para a biodiversidade quanto para as comunidades locais, que dependem da área para suas necessidades. A região também possui sítios arqueológicos, paisagens naturais com cachoeiras, nascentes e cavernas, além de espécies animais ameaçadas pela construção da usina. Essas questões levaram muitas organizações ambientais a se opor ao projeto.
Insatisfação crescente:
A insatisfação com os projetos da Statkraft na região não é nova. Há uma longa história de mobilizações por parte de organizações ambientais, sindicatos locais, associações de agricultores familiares e da sociedade civil contra a Statkraft e as autoridades ambientais estaduais. Em 2021, começou a construção do maior parque eólico da empresa estatal fora da Europa. Quando esse parque foi inaugurado recentemente, o CEO Christian Rynning-Tønnesen afirmou que isso representava “um marco para a Statkraft no Brasil e demonstra nosso compromisso em contribuir para a transição energética verde no país”.
A Statkraft está presente no Brasil desde 2009 e atualmente possui 18 projetos nas áreas de energia hídrica, eólica e solar. Em 2019, Rynning-Tønnesen declarou ao jornal DN que a Statkraft tem uma estratégia de longo prazo no Brasil e que seus projetos possuem baixo grau de conflito. No entanto, as manifestações desta semana contra a construção da usina solar continuam a resistência ao parque eólico desde 2021 e lembram a oposição enfrentada pela Statkraft em projetos semelhantes no Chile e na Noruega, todos marcados por alto grau de conflito.
As comunidades locais têm manifestado continuamente sua frustração pela falta de consultas e informações sobre as consequências dos projetos, além de preocupações com o desmatamento da caatinga. Entre as comunidades afetadas estão Fundo e Fecho de Pasto, povos tradicionais (assim como indígenas e quilombolas) que habitam a caatinga há mais de 300 anos. Por gerações, essas comunidades têm vivido em terras coletivas usadas para pecuária, agricultura e coleta de recursos. Fundo e Fecho de Pasto lutam por reconhecimento nacional como povos tradicionais, um status que já possuem na legislação estadual. O reconhecimento nacional na Constituição Brasileira lhes garantiria o direito histórico à autodeterminação sobre seus territórios, que estão ameaçados pelos projetos da Statkraft.
Além disso, os quilombolas – descendentes de escravos fugitivos no Brasil, que formaram comunidades autônomas chamadas quilombos – também são impactados pela construção. Os quilombos surgiram como uma forma de resistência e possuem reconhecimento jurídico tanto em nível nacional quanto estadual.
Preservação da caatinga e próximas etapas:
Enquanto isso, esforços estão sendo feitos para fortalecer a preservação da caatinga em nível nacional. Em 2025, o Senado deverá votar um projeto de lei que propõe medidas de proteção para o bioma. A proposta busca reconhecer a caatinga como uma área protegida nacionalmente, estabelecer diretrizes mais rigorosas contra o desmatamento e promover modelos de desenvolvimento sustentável que atendam às necessidades das comunidades locais.
As demandas dos manifestantes incluem a suspensão imediata das obras e do desmatamento até que novos estudos ambientais mais abrangentes sejam realizados para a usina solar. Eles também pedem que o projeto seja transferido para áreas já desmatadas, evitando a destruição de uma natureza tão vulnerável. Existem várias áreas desmatadas próximas ao local planejado para o parque, mas as organizações afirmam que suas sugestões para a realocação foram ignoradas.
Mais informações:
O recém-lançado relatório Violações e Impactos do Complexo Solar Santa Eugênia destaca as extensas consequências socioeconômicas e ambientais da construção do projeto. Em dezembro de 2024, foram realizadas pesquisas de campo e entrevistas com 100 moradores das comunidades afetadas. Além da destruição ambiental e da falta de consulta, o relatório aponta para a marginalização econômica e para o aumento do consumo de drogas e da violência contra mulheres, como consequência da chegada de trabalhadores externos durante o período de construção. O relatório também denuncia a falta de oportunidades de emprego para a população local, apesar das promessas feitas pela Statkraft.
A LAG enviou uma carta de preocupação às autoridades norueguesas sobre o caso em março de 2024.