Parte das lideranças da Rede declararam apoio à candidatura do petista à Presidência na quinta-feira, mas ex-ministra não foi
Da Redação | O Globo
A fala do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a ex-ministra Marina Silva não foi vista por ela nem por seu entorno como um aceno. No evento em que grande parte da Rede anunciou o apoio à candidatura do petista, Lula afirmou que esperava que sua ex-aliada estivesse lá, mas que não entendia porque ela às vezes “demonstra momentos de raiva”. Em entrevista ao GLOBO, Marina se disse “surpresa com a surpresa” do ex-presidente por sua ausência na cerimônia, mas ressaltou que se mantém aberta ao diálogo.
Na última quinta-feira, uma parte relevante do partido de Marina, encabeçada pelo senador Randolfe Rodrigues (AP), formalizou a aliança com Lula em um evento em Brasília. A sigla liberou seus membros a apoiarem tanto a campanha do petista quanto do pré-candidato à Presidência pelo PDT, Ciro Gomes.
Rompida com Lula desde que saiu do Ministério do Meio Ambiente, em 2008, Marina não compareceu ao evento. A relação entre os dois estremeceu ainda mais após a eleição presidencial de 2014, quando a ex-ministra foi alvo de ataques por parte da campanha petista a favor da ex-presidente Dilma Rousseff.
Ao GLOBO, Marina rebateu a fala de Lula a respeito de não entender seus “momentos de raiva”. A ex-ministra vê a declaração de diminuir políticas mulheres levando questões objetivas à subjetividade, como “mágoa” e “rancor”. Ela reforçou que suas questões com o ex-presidente são divergências políticas.
— Imagino que o presidente Lula não estivesse desavisado. Ele disse que ficou surpreso. Eu fiquei surpresa com a surpresa dele. Eu não estava lá não por uma questão de raiva ou mágoa. Nós temos divergências políticas, e as divergências precisam ser discutidas com base em uma agenda programática. Com foco nos problemas sociais e econômicos que estão indo para um verdadeiro precipício — disse.
Ainda assim, Marina ressaltou que “o diálogo no campo democrático está aberto” e que é possível discutir as divergências, desde que as conversas tenham como base uma agenda programática. A ex-ministra já havia declarado que poderia abrir um canal de conversa com Lula, desde que o PT reconheça os erros cometidos no passado.
Após a declaração de Lula, aliados tanto de Marina quanto do ex-presidente afirmaram que há uma expectativa para que o petista ligue para sua ex-ministra. No entanto, interlocutores de Lula afirmam que o postulante a seu terceiro mandato no Palácio do Planalto tem resistência de dar esse primeiro passo.
Em resposta à atitude do petista, os interlocutores disseram que ele precisa tratá-la ao menos com “o mesmo carinho” que trata Geraldo Alckmin, adversário histórico de Lula e que será vice em sua chapa neste ano.
— Eu defendo a Justiça social, os direitos humanos, o desenvolvimento sustentável. É com base nessas agendas que me disponho ao diálogo. Só os autocratas não se dispõem ao diálogo. Estou aberta ao diálogo não em cima de subjetividades, se é raiva ou mágoa. Eu e Lula temos, em várias questões da vida, algumas afinidades e algumas divergências. Essas divergências se aprofundaram e eu saí do governo, mas sempre mantive contato com os demais membros do governo — afirmou Marina.
Como exemplo de que está disposta ao diálogo, Marina afirmou que analisa um possível apoio à candidatura de Fernando Haddad, ex-ministro de Lula e pré-candidato ao governo de São Paulo. A ex-chefe da pasta de Meio Ambiente sairá como candidata à Câmara dos Deputados pelo estado.
— As minhas questões não têm nada a ver com questões de natureza subjetivas. Estou sempre aberta ao diálogo, sempre me pautei nesse princípio da democracia. O próprio ministro Haddad já pediu para tratar comigo das questões de São Paulo. Estamos fazendo um debate sobre o apoio à candidatura de Haddad, e o diálogo se dá em termos programáticos — disse.
No evento de quinta-feira, Randolfe afirmou que Lula terá o “apoio incondicional” da Rede. O senador é um dos coordenadores da campanha do petista. Mariana afirmou que, embora o apoio a Lula reúna a parcela majoritária da Rede em torno do ex-presidente, a cerimônia não representou o partido como instituição, visto que os membros estão liberados a apoiar também Ciro Gomes.
— Na política, não existe apoio incondicional. Existe o apoio condicionado a uma agenda, a uma pauta — declarou Marina, que também afirmou:
— Existe uma agenda para o debate. Pessoas com maturidade, com base em uma agenda, dialogam.
No discurso que fez durante o evento, Lula não abordou a sustentabilidade, uma das principais bandeiras do partido. Segundo Marina, nenhuma candidatura até agora colocou o tema como prioridade, indo em direção contrária ao que fizeram líderes mundiais como o americano Joe Biden e o francês Emmanuel Macron.
— Colocar o tema no centro do debate é fundamental. Precisamos focar na recuperação econômica, em gerar renda e emprego, mas com o compromisso na sustentabilidade. Compromissos são aqueles que não serão deixados para depois. Ninguém trabalha com a perspectiva do cheque em branco. Esse debate ainda não está posto como deve.