COLUNISTA | Cultura&Realidade, por Diogeano Marcelo de Lima
Antes de mais nada, é necessário entender que o longa-metragem Cam pode ser julgado como um filme estranho, especialmente porque ele não propõe ser autoexplicativo, pelo contrário, repassa para o expectador a responsabilidade de amarrar as pontas deixadas propositalmente pelo roteiro.
Trata-se de um filme de terror psicológico americano de 2018, dirigido por Daniel Goldhaber e escrito por Isa Mazzei, e narra a trajetória de Alice (interpretada por Madeline Brewer, que já atuou no personagem de Tricia Miller em Orange Is the New Black e Miranda em Hemlock Grove, trabalhos pelos quais é mais conhecida).
Alice é uma Camgirl, ou seja, uma modelo que atua na internet através de imagens de webcam ao vivo, podendo, inclusive, realizar serviços sexuais (como mostrar os seios) em troca de dinheiro, seguidores ou atenção.
Na vida real, Alice é uma garota pacata e tímida aos olhos de sua mãe, a qual não desconfia que diante a webcam, a sua filha se transforma em Lola, uma camgirl que realiza shows a noite diante centenas de estranhos, pessoas com as quais jamais teve contato físico, realizando as fantasias infantis até as mais bizarras para satisfazer aos seus seguidores, que em troca de terem os pedidos atendidos “doam” créditos para Lola.
Trata-se de um negócio lucrativo, mas Alice deseja mais que isso, ela deseja estar entre as TOP10 e quem sabe, um dia chegar a número 1 e isso provoca uma corrida desesperada por curtidas e novos seguidores, pessoas capazes de gastar bastante dinheiro nesse tipo de serviço.
Tanto esforço vem valendo a pena, a cada novo show Alice dispara no ranking entre as camgirl mais curtidas. No entanto, um dia ela surpreende-se com o fato de não conseguir logar em sua conta, e ainda mais estranho, foi descobrir que havia uma sósia ao vivo usando a sua conta, e a busca desenfreada por mais likes e seguidores se transforma em uma corrida alucinante para descobrir o que e como aconteceu, como não apenas a sua conta mais ela própria tinha sido hackeada.
Cam mostra como o gênero de terror pode entregar filmes das mais diferentes formas e abordagens, te deixando tenso do início ao fim ao acompanhar a personagem na busca pelo controle de sua conta, nada de novidade em ter uma conta hackeada, no entanto, a forma como aconteceu beira ao sobrenatural, pois o hacker é uma pessoa idêntica a Alice e isso vai roubando a sanidade da personagem que não sabe como conseguir a sua conta de volta.
Em um segundo momento, o filme reflete sobre os avanços tecnológicos e a exposição das redes, a obsessão por atenção virtual, a busca de uma identidade digital, o que nos permite traçar um paralelo com a vida real, com milhares de youtubers fazendo de tudo em busca da fama como, por exemplo, tomar banho com nutela ou imitando uma foca, algo inimaginável e desnecessário, mas que vem funcionando na caça aos likes e compartilhamentos.
O filme deixa claro que, Alice não está em busca apenas de recuperar uma conta virtual roubada, mas sim de ter de volta a sua personalidade, e é por isso que ela parte em uma busca desesperada em vez de simplesmente criar um perfil novo ou então ela não consegue conviver com o fato de que ela está sendo copiada, fato é que, o filme, de forma cirúrgica, não explica todos os detalhes de como tudo aconteceu justamente para forçar o expectador a buscar os motivos dos acontecimentos, um recurso que, se bem usado, coloca o expectador no lugar dos roteiristas, a partir do momento que permite várias interpretações ao deixar uma ou outra ponta solta, algo que pode incomodar quando o assiste com as expectativas rasas.
O filme faz diversas referências ao livro “Alice no País das Maravilhas”, e traz uma história surreal digna da série Black Mirror, no entanto, embora o modo como a sua conta fora hackeada e principalmente por ter sido substituída por uma sósia, não se mostra distante da realizada haja vista que existem diversos aplicativos que permitem qualquer pessoa assumir a identidade de outra pessoa, colocando o seu rosto sobre qualquer pessoa.
O filme Cam, produção original da Netflix, é perturbador e imerge o telespectador em uma busca obsessiva por respostas abrindo espaço para a discussão necessária e urgente sobre o nosso comportamento nas redes sociais e o quanto estamos deixando de ser nós mesmos para dar vida a um personagem fictício.