“O índice de evaporação no Território já ultrapassou os 2.700 milímetros/ano, contra um regime de chuvas de menos de 700 milímetros/média/ano. Temos, portanto, um déficit de mais de 2.000 milímetros, entra ano e sai ano, e não precisamos ser especialistas no assunto para perceber que logo vamos nos deparar com uma situação catastrófica, possivelmente irreversível, se nenhuma medida for tomada para mitigação do problema.”
ARTIGO I Cultura&Realidade, por Edimário Machado*
Por ocasião da minha participação na plenária do PPA/2024-2027 do Estado da Bahia, em Irecê, após os cumprimentos de praxe, fiz uma breve exposição sobre a estratégia de territorialidade na construção, implantação e controle social, no âmbito das políticas públicas.
Na oportunidade, como se segue, relatei que na Bahia a Política Territorial foi criada no início do primeiro mandato do governador Wagner, pela Lei 13.214, que instituiu os 27 Territórios de Identidade, os 27 Colegiados Territoriais de Desenvolvimento Sustentável, a Coordenação Estadual dos Territórios – CET e definiu que o Orçamento Plurianual do Estado – PPA tem que passar por uma etapa de escuta social, etapa esta que é articulada pelos Colegiados Territoriais.
No Território de Irecê, constituímos em fevereiro deste ano (2023), 10 Grupos de Trabalho Temáticos, coletivos que se reuniram e trabalharam nos meses de fevereiro e março e construíram as propostas para esta plenária.
Nosso Colegiado Territorial de Desenvolvimento Sustentável é composto por 78 instituições, a metade do setor público (federal, estadual e municipais) e a outra metade da sociedade civil. Todos esses representantes das entidades que compõem o Codeter prestam serviço público relevante, não remunerado. Atuam, portanto, como voluntários.
O Codeter não é órgão gestor de políticas públicas. O Codeter não é uma instância de representação política (partidária). O Codeter é um fórum de debate dos problemas do Território e de formulação de propostas de políticas públicas. O Codeter é um coletivo que monitora a governança e articula o controle social da gestão pública no âmbito do Território de Identidade
Nosso Território de Identidade, com 20 municípios, tem uma população que gira em torno de meio milhão de baianos e baianas. Ultrapassamos a marca dos 400 mil habitantes já há alguns anos e, se a gente considerar os filhos e filhas da terra que migraram para outras cidades da Bahia e para outros Estados do Brasil, certamente vamos chegar nessa cifra de meio milhão de habitantes.
E por falar em migração, é sempre bom lembrar que o nordestino deixa a terra natal não necessariamente pelas vicissitudes do meio ou por sentença do destino. Ele deixa a terra mãe porque não tem aqui oportunidades, porque não vê eficácia na gestão das políticas públicas e, também, pela ausência de Estado. E quando sai, leva consigo o grande e inarredável objetivo de um dia voltar, poder trabalhar, produzir e viver no seu torrão natal.
Já chegamos perto dos 600.000/ha de Caatinga desmatados nas áreas agricultáveis de nosso Território, nos aproximando perigosamente do desmatamento total, inclusive desrespeitando as reservas legais. Essa situação tem consequências indesejáveis na qualidade de vida das pessoas e no desenvolvimento sustentável.
Uma delas é a perda de água e de humidade pela evaporação. O índice de evaporação no Território já ultrapassou os 2.700 milímetros/ano, contra um regime de chuvas de menos de 700 milímetros/média/ano. Temos, portanto, um déficit de mais de 2.000 milímetros, entra ano e sai ano, e não precisamos ser especialistas no assunto para perceber que logo vamos nos deparar com uma situação catastrófica, possivelmente irreversível, se nenhuma medida for tomada para mitigação do problema.
Outra consequência indesejável do desmatamento é a precarização da recarga de nossas reservas subterrâneas de água. Em uma situação de equilíbrio ecológico, a chuva cai sobre a vegetação, que amortece os pingos e faz a água chegar suavemente ao solo sombreado, com matéria orgânica e raízes que dificultam a corrida da água, forçando o processo de infiltração e viabilizando a recarga do lençol freático.
Sem cobertura vegetal a água corre das partes altas para as partes baixas, arrastando o solo e entupindo lagoas, leitos dos rios e riachos, seguindo para o Rio São Francisco e de lá para o mar. Ou seja, a água que, com um meio ambiente equilibrado, ficaria guardada em nosso subsolo, para afloração nas cacimbas e minadouros e uso pelos seres humanos e animais, principalmente na agricultura irrigada através dos poços tubulares, está sendo contemplativamente desperdiçada.
Por último, uma consequência do desmatamento que talvez seja hoje o maior problema da humanidade: a perda do solo. Estudo encomendado pela FAO, realizado em 2010, concluiu que a Europa, por exemplo, já está com mais de 50% do solo agricultável com a biodiversidade comprometida. Nosso Território e o mundo estão perdendo o solo agricultável por compactação, erosão por água da chuva e eólica, deficiência de matéria orgânica e desequilíbrio de nutrientes. Em todo o mundo estamos tirando mais nutrientes do solo do que repondo com restos das lavouras e disposição de matéria orgânica.
Via de regra, a reposição de nutrientes é feira com adubação química, o que agrava a situação climática, face à emissão de gases de efeito estufa. O mesmo estudo encomendado pela FAO constatou que, apenas no ano de 2010, a adubação química na agricultura foi responsável por emissões de óxido nitroso equivalentes a mais de meio bilhão de toneladas de CO2. Para ser preciso, o equivalente a 683 milhões de toneladas de CO2.
Gostaríamos mesmo de abordar todos problemas que foram identificados pelos Grupos de Trabalho Temáticos, mas acho que para tanto teríamos que falar aqui a manhã inteira, o que não é possível.
Vou então concluir minha fala, consignando nosso agradecimento à Coordenação Estadual do Territórios – CET por ter encampado as críticas construtivas feitas à Política Territorial pelos Territórios em 2022 e, também, nossos agradecimentos à SEPLAN, por ter acolhido nossas críticas, inclusive com a implantação de importantes melhorias nesta fase da Escuta Social, com a criação dos GTTs, capacitação de seus coordenadores e coordenadoras e com a nova metodologia para formulação das propostas.
Ainda, sugerir que a SEPLAN introduza nos projetos e políticas setoriais do Estado um indicador considerando as dimensões territorial, ambiental, social e de inovação, de modo a aprofundar as conquistas da Política Territorial, com um sistema de controle social eficaz.
E para finalizar, vou parodiar o grande baiano Rui Barbosa para dizer que entre nós há os que usam os recursos naturais de maneira irracional e predatória e há os que usam os recursos naturais de maneira racional e sustentável. Aqueles, os predadores das riquezas naturais, plantam para si, para o prato de amanhã; estes, os que usam racionalmente os bens da natureza, plantam para seu país, para a felicidade de seus descendentes, para a grandeza da humanidade.
Tenhamos todos e todas uma excelente audiência pública.
Que esta Plenária seja marcada pela objetividade.
Foi o que disse, naquele momento, que considero histórico para o atual momento da gestão pública baiana e do Território de Irecê.